Um dos setores mais afetados, direta ou indiretamente, pela pandemia do Covid-19 é o imobiliário, em especial as relações locatícias comerciais (em Shoppings Centers/Centros Comerciais ou em rua) e residenciais.
O comércio fechado ou com volume de vendas fortemente reduzido impacta fortemente na capacidade de lojistas honrarem o contrato de locação pagando o valor integral do seu aluguel. Entretanto, ainda que a pandemia do Coronavírus caracterize situação de força maior, inesperada e imprevisível, o contrato tem força obrigatória e segue vigente. Mesmo em caso de locação em Shopping Center ou atividades em locais em que houve determinação de fechamento pelo poder público em razão da pandemia de COVID-19 (no estado de São Paulo, em função do Decreto nº 64.865, de 18.3.2020), os contratos continuam em vigor. Portanto, quando a situação impuser a necessidade de renegociá-los é fundamental que os termos da renegociação sejam feitos formalmente e observando seus impactos futuramente.
Em caso de locação em Shopping, pode ser renegociado o pagamento do aluguel e do fundo de promoção e propaganda, sem a necessidade do ajuizamento de medida judicial. Caso a renegociação não evolua de forma a permitir um reequilíbrio contratual adequado e satisfatório às partes, é possível o ajuizamento de medida judicial visando (i) a isenção do aluguel mínimo durante o período de fechamento, mantendo-se o aluguel percentual com objetivo de manter o equilíbrio econômico-financeiro do contrato; (ii) caso não seja possível a isenção, que seja determinado um desconto no valor do aluguel, que viabilize o pagamento por parte do lojista, durante o período em que se estender o fechamento, bem como por período posterior razoável e determinado; ou (iii) a suspensão do pagamento do aluguel mínimo por prazo razoável, sem imposição de encargos, para que o locatário tenha condições de se recuperar até o pagamento; e, em qualquer das hipóteses, (iv) a isenção do fundo de promoção e propaganda durante o período de fechamento e redução proporcional do condomínio equivalente a redução das despesas.
Destacamos que cada caso deve ser analisado individualmente, considerando especificidades como o tempo de contrato, suas garantias, situação de adimplência/inadimplência antes da pandemia, dentre outras. Em relação à taxa de condomínio, é importante analisar se houve redução de despesas ou não, porque o empreendimento não deixa de ter as despesas comuns, ainda que o Shopping não esteja em funcionamento. É importante ter em mente que a finalidade da renegociação (consensual ou judicial) é a de preservar a atividade econômica e os empregos, de todos os lados.
Em relação ao comércio de rua, igualmente é necessário observar cada caso em suas particularidades, considerando o impacto real da pandemia sobre o faturamento e a necessidade de readequação temporária do valor do aluguel. Ainda que o imóvel esteja à disposição do locatário sua finalidade fica em alguma medida comprometida pelos efeitos da pandemia. Não sendo possível a composição entre as partes, é possível a adoção de medida judicial buscando a intervenção judicial para que sejam concedidos descontos e/ou parcelamentos para o pagamento do aluguel, sempre no sentido de viabilizar a manutenção da atividade econômica e do contrato. É possível pedir, em alguns casos, a suspensão da cobrança no período de fechamento e por período razoável, para que possa voltar a ter condições de pagar sem que lhe sejam impostos encargos de mora. Em qualquer dos casos, há de se ter em conta a teoria da imprevisão e onerosidade excessiva imposta ao locatário.
As locações residenciais, entretanto, são afetadas pelos efeitos da pandemia de maneira bastante diferente, pois, em regra, sua finalidade resta integralmente preservada mesmo sob os efeitos da pandemia. Basta lembrar, por exemplo, que uma situação de desemprego do locatário não enseja necessariamente a revisão contratual. Assim, embora se aplique igualmente ao contrato de locação residencial a teoria da imprevisão e onerosidade excessiva ao locatário, fato é que, diferentemente das locações comerciais em que há um fator externo impedindo que o locatário usufrua do imóvel da maneira esperada quando da celebração do contrato e, mais, que retire dali o valor que seria destinado ao pagamento do aluguel e encargos, nas locações residenciais o locatário segue utilizando o imóvel normalmente. Portanto, na maior parte dos casos não parece razoável o pedido judicial de qualquer isenção. Evidentemente, em situações específicas em que haja impacto substancial da pandemia sobre o locatário, e também sempre visando a manutenção dos contratos e o cumprimento de sua função social, pode-se solicitar judicialmente a suspensão temporária do pagamento do aluguel, parcial ou total, para que, passado o período da pandemia e amenizados seus efeitos, consiga adimplir os aluguéis, de forma parcelada, e sem encargos.
Nesse sentido, e como evidência da sensibilidade e comoção social acerca das dificuldades ocasionadas pela pandemia, houve a inclusão de um artigo, em um projeto de lei em tramitação (PL 1179/2020), que previa a possibilidade de os locatários de locações residenciais que sofrerem alteração econômico-financeira, decorrente de demissão, redução de carga horária ou diminuição de remuneração, suspenderem, total ou parcialmente, o pagamento dos alugueres vencíveis a partir de 20 de março de 2020 até 30 de outubro de 2020, que pagariam de forma parcelada, juntamente com os aluguéis vincendos, em percentual equivalente a 20% dos vencidos. Esse artigo especificamente foi excluído, mas o projeto foi aprovado pelo Senado e está em tramitação na Câmara, e é forte indício de que eventual revisão nesses contratos deve seguir a linha da suspensão temporária dos pagamentos para o reequilíbrio contratual de locação cuja finalidade tenha sido comprometida, como mencionado acima.
Sem dúvida a pandemia de COVID-19 afeta as relações locatícias comerciais e residenciais e em muitos casos obrigará as partes a uma renegociação temporária visando preservar o equilíbrio contratual, afetado de forma imprevisível e inesperada. Mas, embora a pandemia afete a todos, afeta uns mais do que os outros e, consequentemente, os impactos sobre os contratos de locação devem ser tratados individualmente, caso a caso. Seja qual for o novo equilíbrio alcançado pelas partes, mesmo aqueles celebrados em consenso entre elas, deve ser reduzido a termo e formalizado como aditivo contratual, especialmente para os contratos de locação comercial (que afeta outros aspectos da locação como direito ao ponto comercial, à ação renovatória e revisional, ou ainda outras especificidades se se tratar de locação em Shopping Center).